No
coração de São Paulo, corre um rio que carrega em seu nome a memória viva da
relação entre a cidade e a natureza. Este rio que nasce na cidade de Mauá, passa pela cidade de Santo André, São Caetano do Sul e tem como foz a cidade São Paulo, antes mesmo de ser chamado Tamanduateí,
ele era conhecido como Piratininga — termo de origem tupi que
significa “peixe seco”. Esse nome surgiu de um fenômeno fascinante:
na época de chuvas, o rio transbordava, em seguida com a seca as poças e
meandros do rio secavam, deixando peixes expostos nas várzeas. Essa abundância
de pesca atraía não só pessoas, mas também animais, como formigas... que, por
sua vez, atraíam tamanduás. Foi assim que o rio ganhou um novo nome: Tamanduateí,
ou “rio dos tamanduás verdadeiros” ("O nome Tamanduateí vem do tupi: tamanduá (o animal), eté (verdadeiro) e 'y (rio), formando 'rio dos tamanduás verdadeiros' (Navarro, 2005)."
Mas a
história não para aí. Há outra interpretação: Tamanduateí também
pode significar “rio de muitas voltas, cheio de meandros”. Essa
versão, defendida pelo pesquisador Plínio Ayrosa, reflete a geografia sinuosa
do rio, marcada por curvas que moldavam seu curso nas várzeas inundáveis. Esses
meandros, aliás, eram os mesmos que secavam e criavam as poças repletas de
peixes, conectando as duas narrativas em um só ciclo natural.
Os
nomes Piratininga e Tamanduateí revelam como
os povos originários observavam e descreviam o mundo. Eles não separavam a
geografia da ecologia: as secas, as cheias, os peixes, os tamanduás e as curvas
do rio faziam parte de uma mesma teia de vida. Essa sabedoria indígena,
transmitida pela oralidade, resistiu ao tempo e ainda ecoa no nome do rio — uma
herança que nos lembra que São Paulo nasceu às margens dessas águas, batizada
como Vila de São Paulo de Piratininga em homenagem ao rio que
sustentava a comunidade.
O primeiro mapa de 1850 mostra as curvas do rio Tamanduateí, já o segundo o mapa de 1928 mostra o rio Tamanduateí retificado.
Mapa disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/rios-de-sao-paulo/noticia/rio-tamanduatei-perde-curvas-com-canalizacao-ao-longo-dos-anos-veja-mapas.ghtml
Hoje, o
Tamanduateí segue sendo um símbolo da cidade, mesmo em meio ao asfalto. Suas
histórias — de peixes secos, tamanduás e meandros — nos convidam a olhar além
da paisagem urbana e reconhecer as raízes indígenas e naturais que moldaram
este lugar. Cada curva do rio, cada nome preservado, é um convite para
reinterpretar nosso passado e inspirar futuras narrativas, artísticas ou
cotidianas.
Reforço que o rio
Tamanduateí é um elo entre o passado e o presente. Sua existência, mesmo
fragmentada pela urbanização, nos lembra que a cidade não surgiu do nada: ela
foi construída sobre histórias de interação com a natureza, saberes indígenas e
ciclos ecológicos. Reconhecer isso é um passo para criar um futuro onde urbanização
e natureza não sejam inimigas, mas partes de uma mesma história.
Assim como no passado, o Tamanduateí ainda transborda
— mas hoje, as consequências são muito diferentes. Antes, as cheias
fertilizavam as várzeas e alimentavam a vida. Hoje, o asfalto impermeabilizou o
solo, as curvas do rio foram retificadas. Em época de chuva, suas águas não
encontram mais a terra que as absorvia, e o transbordo se transforma em
alagamentos, arrastando consigo não só histórias, mas lixo e descuidos. Esse
cenário não é inevitável: relembrar que o rio já teve espaço para suas cheias
naturais nos desafia a repensar como ocupamos suas margens. Cuidar do
Tamanduateí é também devolver-lhe a dignidade de transbordar sem destruir.
"Se os tamanduás e peixes secos deram nome ao rio, que legado queremos deixar para as próximas gerações?"
Margem direita do rio Tamanduateí no fim do século XIX
Disponível em: https://garoahistorica.blogspot.com/2014/07/rio-tamanduatei.html